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Sonho ou pesadelo? Manchester, a capital da bola que entedia jogadores
Capital inglesa do futebol nos últimos anos, Manchester divide com Madrid, Barcelona e Milão o posto de destino dos sonhos da maioria dos garotos que se aventuram no futebol mundo afora. Defender o United e, mais recentemente, o City, é certeza de sucesso, fama e milhões na conta bancária. Vida praticamente perfeita, não fosse um problema: o que fazer quando a bola não está rolando? Não faça essa pergunta para Robinho, Balotelli ou Tévez. Certamente, a resposta não será muito animadora.
Contratações milionárias da nova Era do City, o trio defende uma teoria nada favorável a Manchester: de que a cidade é futebol e nada mais. Vindos de países e culturas diferentes, os três atacantes são unânimes ao definirem o local em uma palavra: tédio. Publicamente, inclusive, já deixaram clara a insatisfação com “a falta do que fazer e o tempo chuvoso”. Razões que fizeram dois deles mudarem de ares quase que à força.
Para entender um pouco as reclamações dos boleiros e dar direito de resposta aos moradores de Manchester, o GLOBOESPORTE.COM esteve na cidade no último domingo para o clássico entre City e United e foi em busca da questão: Manchester é tão ruim como dizem? Antes, porém, a opinião de Robinho, o primeiro dos que se rebelaram contra o local.
– Pense em um lugar que chove o dia todo. Meio-dia parece meia-noite. Nossa, chove demais. O brasileiro é um povo mais festeiro, que gosta de sol. O sol te faz ter mais vontade de fazer as coisas. Quando está chovendo, a vontade é de dormir, de ficar em casa. O frio e a chuva nos fazem ficar um pouco retraídos. Além de faltar opção de lazer. No Brasil, tem praia, shopping, cinema, teatro, videogame, casa do amigo, pagode, sertanejo. Em Manchester, temos que criar as coisas. Só tem o shopping para ir e mais nada. Eu que não gosto muito de shopping acabava tendo que ir. Era a única coisa que tinha para fazer. Conheci de cabo a rabo.
Os motivos que levaram Robinho a trocar o interior da Inglaterra por Milão são os mesmo que podem fazer com que Tévez faça trajeto idêntico em breve. Em litígio com o City exatamente por não aguentar mais viver em Manchester, o argentino aguarda uma definição do futuro em Buenos Aires, de onde disse a uma emissora local:
– Não há nada para fazer em Manchester e ainda falo muito mal o inglês. Quando terminar o meu contrato não volto a Manchester nem de férias – disse, em promessa cumprida antes mesmo do fim do vínculo.
Nem mesmo o queridinho dos torcedores do City foge a essa nova regra. O cara do momento em Manchester, Balotelli é notícia pelo que faz dentro e fora de campo, vive o auge de sua carreira nesta temporada, mas não se diz apto a sorrir de prazer por morar na cidade. Pelo contrário, justifica suas estripulias apontando-as como antídoto para a “chatice” do local.
– Não estou feliz em Manchester. Não gosto da cidade. Tudo está bem na minha relação com o técnico, com os colegas, mas a cidade não me agrada. Se não fizesse as coisas que faço, ficaria entediado.
Centro industrial, econômico e casa de bandas marcantes
Apontada como segunda capital da Inglaterra, Manchester fica ao noroeste do país e, por razões óbvias, vive rotina bem menos agitada do que Londres. Com cerca de 500 mil habitantes, é famosa por, além de pulsar futebol, ser um grande centro industrial e econômico no país. O estilo de vida agitado de jogadores como Robinho e Balotelli, por exemplo, pode ser uma das principais justificativas para tamanha insatisfação. Até porque, mesmo sem a gama de opções da capital e de Liverpool, a cidade conta com inúmeros museus, casas de shows e dos tradicionais pubs ingleses.
Berço de bandas marcantes na história do rock, como New Order e Oasis, Manchester não deixa de ter uma vida noturna agitada, o “problema” é ser segmentada para estilos distintos dos que estão acostumados os estrangeiros, principalmente sul-americanos. Vem daí o motivo para que jogadores se "obriguem" a passar o tempo livre reclusos em casa. Verdade comprovada até mesmo quando as declarações não têm como objetivo reclamar da vida na cidade, caso do lateral Rafael, do United.
Há quatro anos no local, ele garantiu estar totalmente adaptado e feliz, mas deixou claro que sua rotina independe das atrações proporcionadas por Manchester.
– Nos adaptamos bem. Passamos grande parte do tempo jogando videogame e jogos de carta, como truco e sueca. Também conseguimos nos divertir. Gostamos de ir a um parque em Blackpool (outra cidade). Tem um zoológico legal em Manchester mesmo e nos divertimos muito quando arrumamos um tempo para ir. Saímos também para jantar em um restaurante brasileiro que gostamos muito. Além disso, tem a saída para os restaurantes turcos, que gostamos muito também.
Ídolo do United sai em defesa da cidade
Nem só de críticas, porém, é a relação de Manchester com os jogadores. E foi justamente um ex-jogador de futebol estrangeiro o primeiro a se manifestar através da imprensa para defender a cidade: o francês Eric Cantona, ídolo do United, que cutucou os insatisfeitos.
– Depende de onde eles vieram, e por que vieram. A coisa mais importante para mim quando era jogador era estar no melhor clube do mundo com os melhores jogadores do mundo. Isso é o que importa quando você é um profissional. O melhor momento que você pode ter é no campo. Amei Manchester quando morei lá, e também as pessoas. Tive uma época maravilhosa.
O argumento do futebol não chega a rebater os apresentados por Robinho, Tévez e Balotelli, mas também foi o mesmo usado por Peter Bolton, torcedor folclórico do United. Nascido na cidade, ele até admitiu que Manchester não é dos lugares mais atrativos, mas definiu:
– Eu nasci e cresci aqui, vivendo no subúrbio. Talvez, Manchester não seja como Londres. Talvez, chova muito. Talvez, não tenha sol ou praia. Talvez, não tenha tantos bons restaurantes. Mas Manchester tem o United, e isso é tudo que eu preciso.
Já o citizen Jason Pickfoid vê a polêmica de outra forma e enxerga falta de profissionalismo e companheirismo nos que reclamam da cidade. Para comprovar, cita exemplos de gringos que são felizes no local, segundo ele.
Temos muitos jogadores em Manchester, como Kun, Zabaleta e David Silva, que vivem aqui e adoram. Sabem como se relacionar com seus companheiros e aproveitam a cidade fora do futebol. Quem tem filho, especialmente. Há muitos bons restaurantes, vida noturna. Basta saber aproveitar. Esses que você falou são muito individualistas.
Representante da Associação de Imprensa Esportiva em Manchester, Simon Stone não vê fundamento nas críticas e lembra que as diferenças culturais são óbvias desde antes das transações. Ele ressalta ainda que os altos salários recebidos pelos atletas deveria ser suficiente para “pagar” o tédio.
– Eles não estão no Brasil, na Argentina, ou onde eles nasceram. A Inglaterra é mais fria que o Brasil, óbvio. Mas eles recebem muito dinheiro para jogar. Eu realmente não entendo esse tipo de declaração. Temos muitos restaurantes, bares, muitas coisas para ver. Não sei onde está o problema. É como se eu falasse que não gosto do Rio porque tem praia.
Menos incomodado com as críticas, Peter Payton, torcedor do City, tratou o caso com bom humor e fez um convite:
– Para mim, Manchester é o melhor lugar do mundo. Eu amo. Você devia vir morar aqui (risos).
Proposta tentadora, mas que os interessados fiquem sabendo: é frio, chove e no inverno a noite chega mais cedo. Vai encarar?