Clube

Conservadores

É fora do comum que em um terreno de extremo conservadorismo como é o futebol, o Atlético Paranaense tenha conseguido inovar tanto. Se tivéssemos tido medo de dar a cara à tapa lá no início, há 23 anos atrás, talvez ainda estivéssemos paralisados, presos à rivalidades locais que hoje são tão pouco significativas que não precisamos mais do que um time de aspirantes para prevalecer. Não houve nesse tempo todo uma só tentativa de trazer a modernidade que não tenha enfrentado fervorosa oposição, interna e externa. Mas conseguimos, fomos provando pouco a pouco que a inovação é o único caminho que temos para seguir, a única forma de fazer a diferença. Para se avançar tanto e em um tempo histórico tão pequeno, a desconfiança é o preço.
Vendo o que conseguimos, valeu a pena pagar para ver. O que temos hoje é a melhor infraestrutura para treinamento, para formação, o melhor e mais barato estádio do Brasil e um clube que deixou de ser a terceira força de um estado nulo representativamente para figurar hoje em 9º lugar no ranking de clubes nacionais, mesmo sendo apenas o 13º quando falamos de faturamento. Os oito clubes à frente de nós faturam três, quatro, cinco vezes mais.
É quase impossível subverter o status quo, a não ser surpreendendo. Sem orçamento que nos permita contratar os melhores jogadores e treinadores, temos que criar algo novo. Pois está claro que as condições são desiguais e que a ordem do futebol tende a perpetuar o que está estabelecido desde o século passado. A vinda do Fernando Diniz foi uma tentativa de fazer o diferente, de buscar um modo de atuar que fosse novo e próprio. Que nos fizesse depender menos dos mais caros profissionais do mercado e que colocasse a criatividade à serviço dos resultados. Assim poderíamos diminuir e ajustar essa lacuna.
Depois de inovar tanto na estrutura, inovar também na bola. Mas foi aí que enfrentamos as piores barreiras para pôr em prática esta iniciativa: o fanatismo e a paixão que cega até os atleticanos mais racionais. A pressão veio de todos os lados, todos com os últimos resultados debaixo do braço como a cristalina verdade que anunciava o fracasso do projeto. Análises da parte, não do todo, baseadas em medo, temor e vaidade, que vieram de torcedores, sócios, conselheiros e até de parte da diretoria administrativa, que numa reunião interna à revelia resolveu, por unanimidade, que seria a hora de mudar o planejamento inovador e partir para as velhas fórmulas e saídas conservadoras, com menores riscos.
Após conversa pessoal com o Fernando Diniz, em comum acordo, decidimos que seria o momento de descontinuarmos o planejado. O clima negativo tomou conta do cenário, a pressão tomou proporções insuportáveis, o desafio se tornou gigantesco e nenhum de nós estava disposto a enfrentar essa guerra passional e fomentada por uma mídia sem visão de futuro que não tem capacidade de ver muito além do último jogo.
O medo da mudança, o medo da vergonha, o medo do que os adversários vão falar, medo do que a mídia vai dizer, medo dos comentários em grupos fechados de whatsapp, medo, medo, medo. Não há nada que se possa fazer quando o medo domina a maioria, estabelece suas "verdades", absorve até os cérebros que pensávamos ser imunes à auto depreciação. No futebol, vence o de sempre. Com pesar, abandonamos este projeto de criar um jeito próprio de jogar, que não foi implantado sem base científica, estudos e respaldo técnico. Não era a hora de declinar desta proposta. Sabemos que iniciativas como esta levam um pouco mais de tempo para darem o retorno que esperamos. Há a necessidade da compreensão de várias partes envolvidas.
Se poderia dar certo? Não tenho dúvida que sim. Vimos este time, com esta mesma proposta, chegar a ter momentos brilhantes no início. Jogos que fomos muito bem, que nos fez ser tema de debates e que despertaram a curiosidade pelo simples fato de termos surpreendido a todos. Quem garante que com ajustes não poderíamos manter o planejado? Se chegamos a jogar tão bem por que não poderíamos corrigir e voltar à rota?
Mas tudo isso não foi em vão. Plantamos a semente, apresentamos um caminho e preparamos o terreno para a mudança que em breve vai varrer o "de sempre" do mapa. Como o meteoro para os dinossauros. O perfil dos novos torcedores mudou, o modelo de torcidas organizadas como exércitos beligerantes também não tem mais lugar, e o formato dos campeonatos vai mudar radicalmente com o novo Mundial de Clubes, com 24 times. O futebol se tornou uma atração global, campeonatos locais já não têm o menor apelo. Temos dito isso desde a primeira vez que jogamos o campeonato estadual com um time alternativo, já ha alguns anos. Qual foi a reação? Conflito, oposição e falta de compreensão do que está por vir. Se não inovarmos, vamos ficar de fora dos grandes eventos, que hoje com a tecnologia se tornaram dominantes e em escala global.
O trem bala está passando mais uma vez e não tivemos o apoio para subir à bordo. Espero que o Atlético Paranaense siga fazendo a transformação que esperamos também no futebol, se antecipando e sendo protagonista das mudanças. Temos que nos antecipar ao meteoro. Quem se negar a entender, vai virar fóssil.
Estou saindo das quatro linhas, mas ninguém pode dizer que me faltou coragem para propor o novo. Meu sentimento no momento é de tristeza, mas minha consciência nunca esteve tão tranquila, ciente de que fiz o que pude antes que sejamos engolidos pela mudança.
Espero, de coração, que o amor incondicional ao clube se torne maior do que a paixão cega e fanática. Assim, poderemos continuar evoluindo.
"É muito melhor arriscar coisas grandiosas, alcançar triunfos e glórias, mesmo expondo-se a derrota, do que formar fila com os pobres de espírito, que nem gozam muito nem sofrem muito, porque vivem nessa penumbra cinzenta que não conhece vitória nem derrota" – Theodore Roosevelt.
Mario Celso Petraglia
Presidente do Conselho Deliberativo